quarta-feira, 8 de outubro de 2014

F1 2014 - Sobre o acidente de Jules Bianchi, por Livio Oricchio

Li mais cedo no site do UOL uma matéria escrita pelo Livio Oricchio em seu blog, no texto ele analisa o acidente de Jules Bianchi de uma forma até então inédita para este que sempre vos escreve. Achei o texto interessantíssimo e resolvi postar aqui, com as devidas honras a quem o escreveu. O link original está AQUI.

O capacete de Bianchi não tem marcas. O que foi então que aconteceu?

Livio Oricchio 08/10/2017 - 14:18

São Paulo

Olá amigos!
O acidente de Jules Bianchi vai gerar reflexões por bom tempo, ainda. E tudo o que desejamos é que os ensinamentos do ocorrido domingo, no GP do Japão, sirvam para reduzir bastante as chances de outros pilotos se ferirem com a gravidade desse jovem talentoso francês.
Analisei as várias fotos que, por exemplo, o site da revista italiana Autosprint colocou no ar. Todas são chocantes para quem se interessa pelas questões técnicas da Fórmula 1, como eu. Verificar que não há mais santantônio na Marussia é algo bastante raro, o que atesta a assustadora violência do impacto do carro no contrapeso do trator na área de escape da curva 7 de Suzuka.Essa fotos associadas ao vídeo do espectador da arquibancada, disponibilizado na internet, nos permitem também imaginar o que se passou, o momento a momento do acidente. Uma das fotos me chamou mais a atenção. É esta aqui, do estúdio do Ettore Colombo, amigo desde que comecei a cobrir a Fórmula 1 no local das provas, há 25 anos:

Sem desejar ser presunçoso, por favor, mas penso existir nessa foto indícios importantes do que talvez tenha ocorrido entre o primeiro contato da Marussia de Bianchi no contrapeso do trator até a sua estagnação, cerca de quatro metros adiante, apenas.
O que primeiro recomendo prestar a atenção é a condição do capacete de Bianchi. Repare o médico no seu atendimento inicial. A viseira está íntegra, não há sinal de nenhum dano. Veja, agora, o restante do capacete, notadamente a porção superior. Da mesma forma, a impressão é de que não existe nenhum dano. Sequer na pintura.
Bianchi está inconsciente. O próprio boletim da FIA dizia, depois das informações trazidas pelo médico da Fórmula 1, o sempre acessível Ian Roberts, ao chefe de imprensa da entidade, Matteo Bonciani.
Mais: observe com atenção que há marcas de choque na parte frontal alta do monocoque. Refiro-me à área logo adiante do piloto, pintada de vermelho sobre o fundo branco. Se você estivesse sentado no cockpit e olhasse para a frente, seria a porção logo à frente dos seus olhos.
Para mim, esse dano no monocoque sugere que exatamente essa região do carro tocou na parte mais baixa do contrapeso do trator, levantando-o até, como pode ser visto no vídeo abaixo.
A dinâmica do acidente propõe que o conjunto da suspensão dianteira esquerda é a primeira a ter contato com o trator e a seguir, tudo em milésimos de segundo, vem a vez dessa parte frontal do monocoque, com os sinais de dano exibidos na foto.
Agora o mais importante: repare na foto que essa área alta da frente do monocoque é pouca coisa mais baixa que o ponto mais elevado do capacete de Bianchi. E esse ponto do capacete não apresenta sinais de toque em nada. A pintura superior do capacete não lhe parece a original? A integridade da viseira reforça essa impressão.
Poderíamos tentar reproduzir o que aconteceu a partir dessas informações, lembrando tratar-se apenas de uma hipótese baseada nos elementos disponíveis. Nada impede de fatores que não estamos enxergando terem interferido no desenvolvimento do acidente, não os estarmos mencionando aqui e serem eles, de fato, que poderiam explicar o ocorrido.
Voltando, faz sentido acreditarmos que essa porção alta do monocoque bem à frente do capacete do piloto tenha tocado a parte baixa do contrapeso do trator. Deslocando-se aproximadamente a 200 km/h, segundo dados da própria Marussia, essa porção alta do monocoque teria erguido o trator com o choque, por uma fração mínima de tempo.
Exatamente nesse instante fugaz de tempo a cabeça de Bianchi protegida com o capacete passa embaixo do contrapeso do trator, enquanto ele está no ar. Quando o trator cai, milésimos de segundo depois de atingido pela área frontal alta do monocoque, a cabeça do piloto já passou e o que o atinge é o santantônio, localizado imediatamente atrás do piloto. A partir daí a devastação é total. Tudo foi arrancado pelo trator.
Essa dinâmica explicaria a razão de o capacete não apresentar uma única evidência de toque no trator.
O que então causou a lesão neurológica séria em Bianchi?
Resposta: aquilo que descrevemos no texto anterior sobre o acidente, a súbita desaceleração sofrida por ele. Se o piloto tocou o trator a 203 km/h, é possível calcular aproximadamente a aceleração a que o piloto foi submetido.
Não é um experimento científico, portanto os valores apurados a seguir são apenas referências para quantificarmos a desaceleração e entender a extensão dos danos.
Conversei com o coordenador de projetos da JL, do ex-piloto Zeca Giaffone, o engenheiro Gustavo Lehto, empresa responsável pela concepção e construção dos carros da Stock Car. Lehto explica que se a Marussia estava a 203 km/h no momento do choque, sua velocidade era de 56,3 metros por segundo.
Estimando que o tempo decorrido entre o impacto e o carro parar foi de meio segundo (500 milisegundos), a desaceleração sofrida foi de 113,2 G, ou nada menos de 113 vezes a aceleração da gravidade na Terra. Considere, por favor, que esse é um dado aproximado.
“Segundo o teste de resistência (crash test) da Euro NCAP, programa de segurança automobilística, a média de desaceleração que a cabeça do ser humano suporta sem lesões permanentes é de 80 G em 30 milisegundos'', diz Lehto. “Deve ser considerado que esse é um valor médio, que serve tanto para uma dona de casa como para um esportista'', explica o engenheiro.
O tronco, a cintura e as pernas do piloto estão presos no cockpit pelo cinto de segurança de seis pontos. A cabeça, não. Como escrevi, o sistema Hans de capacete se destina a casos como o do acidente, evitar de a cabeça dobrar para a frente com violência, o que poderia causar lesões na coluna cervical com prováveis danos neurológicos graves.
Pelo que o pouco profissional boletim médico de ontem trouxe, parece não existir lesão na coluna cervical, o que mostra a eficiência do Hans. A desaceleração foi realmente elevada conforme os números sugerem.
Nesses episódios, os órgãos internos se chocam com a musculatura ou ossos do corpo. Foi o que aconteceu em maior intensidade com o cérebro de Bianchi dentro da caixa craniana, causando a hemorragia que os médicos procuraram conter na cirurgia realizada logo depois do acidente.
Só nos resta agora emitirmos as mais positivas vibrações possíveis para que Bianchi sobreviva e com poucas sequelas.
Livio Oricchio
#DressForJulesBianchi
Rômulo Rodriguez Albarez - São Paulo/SP - ...

2 comentários:

  1. Na verdade tem uma foto que mostra o arranhão, está coberto pelo retrovisor
    https://www.youtube.com/watch?v=38DfYuREbtQ a partir de 24s

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