Emerson Fittipaldi e Ayrton Senna |
O texto
abaixo relata um Ayrton Senna que apenas uma pessoa conhece, Emerson
Fittipaldi, o texto original em inglês foi traduzido por Juliano “Kowalski”
Barata, do site Tazio F1. Emerson conta desde o dia que conheceu Senna até o
seu histórico funeral, o texto é longo as vale muito a pena:
Ayrton
Senna, from the heart
O começo: a equipe Van Diemen
(Fórmula Ford)
Penso no
Ayrton sempre que vou a Interlagos, especialmente porque foi em Interlagos que
o encontrei pela primeira vez, em 1976, quando ele tinha apenas 16 anos. Eu
estava testando o meu carro de Fórmula 1 da Copersucar, e ele e o pai dele,
Milton, estavam assistindo.
Naquele
dia, Ayrton competiu com o seu kart no kartódromo de Interlagos, ao lado do
autódromo, e como era costumeiro, venceu a prova. Ele estava ganhando tudo no
kartismo brasileiro naquela época, e por isso eu já tinha ouvido tudo sobre
ele. Também conhecia o seu pai. O Milton era um homem bem sucedido,
proprietário de várias fábricas em toda a região de São Paulo.
Milton se
aproximou de mim e pediu alguns conselhos – e eu respondi sem titubear. “Entre
em contato com Ralph Firman”, disse. Não o Ralph Firman jr, o piloto que correu
em 15 provas pela Jordan em 2003, mas sim, o seu pai, Ralph Firman sr, que
fundou em 1973 a lendária equipe de Fórmula Ford Van Diemen, próximo ao
autódromo de Snetterton, em Norfolk (Reino Unido), e que foi o meu mecânico
quando Jim Russell me convidou para correr em seu F3 Lotus 59 no Guards Trophy
de 1969, em Brands Hatch – foi a minha primeira prova de F3. Não me qualifiquei
na primeira prova, mas venci a segunda etapa e terminei em terceiro na 3ª
bateria: nada mal para uma estreia.
Então eu
conhecia o Ralph muito bem, e eu o recomendei com muitos créditos, pois tinha
certeza de que ele seria o cara certo para o Milton e o Ayrton entrarem em
contato e direcionarem os seus esforços para o próximo passo – a importante
jornada do Brasil para a Europa, o salto gigante que eu mesmo trilhei sete anos
antes. Por sinal, foi um bom conselho: Milton entrou em contato com Ralph, eles
fecharam um contrato e Ayrton pilotou, com muito sucesso, os carros da Van
Diemen por alguns anos, vencendo o campeonato inglês de Fórmula Ford 1600 com
um Van Diemen RF81, em 1981.
Mas eu já
sabia que Ayrton seria especial, bem antes de ele se tornar campeão da F-Ford,
e por algum tempo estive procurando a oportunidade de ajudá-lo a ir mais longe.
Em 1980, eu tive esta chance. Na prova de Osterreichring daquele ano, eu iria
correr de F1 e Ayrton competiria na prova de abertura, de Fórmula Ford 2000.
Ele tinha 20 anos na época, e ainda era muito tímido. Eu estava em meu último
ano na F1, pilotando o Fittipaldi, criação minha e de meu irmão Wilson.
Naquele fim
de semana, eu apresentei Ayrton de uma ponta a outra do pitlane de
Osterreichring, apresentando-o para cada os chefes de equipe, um a um. “Este
rapaz será campeão mundial, talvez será campeão mundial muitas vezes”, eu dizia
a todos. Talvez eles acharam que eu estava ficando maluco – ou, mais
provavelmente, que estava só fazendo propaganda forçada para um compatriota –,
mas eu já sabia que eu estava dizendo a verdade, toda a verdade, e nada mais do
que a verdade.
Os meus pilotos favoritos de todos
os tempos
Muitos me
perguntam qual o melhor piloto de todos os tempos em minha opinião, e
frequentemente esta pergunta já tem um direcionamento para que eu diga que é o
Ayrton. Mas é muito difícil – talvez impossível – de se equiparar pilotos de
diferentes épocas, e é por isso que não gosto muito deste comparativo.
Meus heróis
são caras como Tazio Nuvolari, o chamado “mantuano voador” das décadas de 1920
e 1930, que foi descrito por Ferdinand Porsche como “o maior piloto do passado,
do presente e do futuro” e que pilotou de forma tão majestosa pela Bugatti,
Alfa Romeo, Maserati e finalmente a Auto Union; Achille Varzi, o grande amigo e
rival de Nuvolari, que ganhou mais de 30 corridas pelas mesmas quatro fabricantes
na mesma época; Rudolph Caracciola, que triunfou no Campeonato Europeu de
Pilotos (o predecessor ao Campeonato de Pilotos da F1) pela Mercedes-Benz em
1935, 1937 e 1938; Bernd Rosemeyer, que era praticamente imbatível em seu Auto
Union no amedrontador Nürburgring Nordschleife na década de 1930 e que certa
vez venceu uma prova com espessa neblina; Juan Manuel Fangio, que venceu 24
grands prix e conquistou cinco campeonatos de F1 durante a década de 1950; Jim
Clark, que conquistou dois campeonatos mundiais e 25 corridas pela Lotus entre
1962 e 1968, e que só chegou em segundo em uma corrida (um dado quase
emblemático da cultura “ganhe ou quebre” de Colin Chapman, nosso ex-chefe de
equipe da Lotus); Jackie Stewart, que venceu três campeonatos mundiais e 27
provas de 99 largadas, e que considero o meu rival mais estimado durante minha
carreira na F1; Michael Schumacher, que conquistou 91 corridas e sete
campeonatos mundiais, um magnum opus que não sabemos se será batido por
Sebastian Vettel, a atual megaestrela da Fórmula 1, que precisa estar entre os
grandes pilotos que eu tive o prazer de listar para vocês.
Sem dúvida
alguma, Ayrton pertence a esta lista – e, talvez porque ele era brasileiro como
eu, e talvez porque ele era o meu amigo, tenho a felicidade de nomeá-lo, sim,
como o melhor piloto de todos os tempos, em minha opinião.
Senna, o artesão
Ele era
inacreditavelmente bom. É compreensível que ele seja famoso por sua velocidade
natural incrível, mas a sua ética e metodologia pródiga de trabalho é frequentemente
subestimada. Ele treinava assiduamente e por isso estava sempre em forma
perfeita, estudava os dados com os seus engenheiros com cuidado milimétrico e
sempre analisava profundamente o seu próprio ofício. Sim, ele recebeu um dom de
Deus, uma habilidade sublime, mas ele sabia que isso sozinho não bastaria – e
então trabalhou neste talento, o poliu, o deixou impecável, e é por isso que eu
uso a palavra “ofício” para falar sobre a sua pilotagem, e não “habilidade” ou
“arte”.
Sim, ele
era habilidoso, sim, sua pilotagem era artística; mas a razão pela qual ele
teve este sucesso supremo foi porque ele era um artesão perfeccionista dentro e
fora do cockpit, que não deixava nenhum detalhe passar batido em seus esforços
para ser o melhor. Ele se sacrificou para conquistar o seu sucesso, não se
engane a respeito disso.
O teste de Senna na Penske |
Qual foi a
sua melhor corrida? Não consigo dizer, mas uma que brilha de forma instantânea
em minha cabeça é o GP da Europa de 1993, disputado em Donington Park (Reino
Unido). Ele se classificou apenas em quarto com o seu comparativamente
impotente McLaren MP4-8 com motor Cosworth, atrás do Benneton B193 de Michael
Schumacher (terceiro) e da dupla imbatível de Williams FW15c de Alain Prost e
de Damon Hill, que lideravam o grid; mas no dia da corrida, sob chuva
torrencial, Ayrton foi intocável.
Eu assisti
a corrida pela TV em minha casa, em Miami (EUA), e fiquei completamente pasmo
pela primeira volta de Ayrton. Ele teve uma largada ruim, caiu para a quinta
posição, mas o que eu vi na tela da televisão nos próximos 45 segundos foi
puramente genial. Não há outra expressão.
Ele
encontrou aderência onde ninguém mais sequer sabia que havia para buscá-la, e
passou Karl Wendlinger (que tinha o superado na largada), Schumacher, Hill e
Prost, um após o outro, e, ao fim da primeira volta, era o ponteiro da corrida
com algum conforto.
No dia
seguinte, eu o telefonei. “Ayrton, aquilo foi simplesmente inacreditável! Você
nunca mais vai fazer outra volta como aquela em sua vida”, eu exclamei. Dentro
de minha cabeça ainda escuto a sua reação, um riso envergonhado, mas feliz,
enquanto escrevo isso.
O adeus
Apenas um
ano depois, ele se foi. No 1º de maio de 1994, o dia em que ele faleceu
enquanto liderava o GP de San Marino, em Ímola, eu estava testando o meu
Indycar Penske-Mercedes, no oval de Michigan. Eu tinha acabado de começar uma
sessão de pé embaixo com tanque cheio, que consiste de 28 voltas naquele
maravilhoso super-speedway, onde médias superiores a 370 km/h eram a norma
naqueles fantásticos monopostos de mais de 1.000 cv. Eu estava focado,
empolgado, fazendo aquilo que era a minha razão de ser, no limite, feliz.
E então o
meu chefe de equipe repentinamente me chamou no rádio: “Emmo, come in (entre
nos boxes)”, ele disse.
Essa foi
uma instrução muito incomum, especialmente durante uma sessão de testes como
aquela, então eu respondi “por que, há algo errado com o carro?”.
“Não, não,
não, apenas entre nos boxes agora, por favor”, foi a resposta.
E então eu
aliviei, desci ao pitlane, trouxe o carro até a equipe da Penske e perguntei
“qual é o problema, pessoal?”.
“Sua esposa
quer falar com você no telefone”, meu chefe de equipe respondeu.
Senti um
frio terrível na boca do estômago. Eu imaginei que algo temeroso tivesse
acontecido com um de nossos filhos – não poderia pensar em outra razão para o
meu chefe de equipe tratar uma ligação de minha esposa com tamanha urgência. E
então eu pulei fora do carro e corri até a garagem, onde um dos mecânicos
segurava o telefone com o braço estendido, pronto para que eu atendesse.
“O que foi?
É algo com um de nossos filhos?”, perguntei à minha esposa.
“Não”, ela
respondeu. “É o Ayrton. Ele acaba de falecer em Ímola”.
Eu fiquei
sem palavras. Na verdade, eu não tenho palavras até hoje, nenhuma palavra.
Mas eu irei
tentar agora, quase vinte anos depois, expressar o que eu senti naquele
momento. Eu senti a mais profunda amargura, a mais intensa tristeza. Ok, eu
sabia que o automobilismo era perigoso, claro que sabia, mas, fora o pobre
Roland Ratzenberger, que morreu em Ímola no dia anterior, a Fórmula 1 não tinha
sofrido uma fatalidade desde o acidente de Elio de Angelis, que morreu testando
em Paul Ricard, em 1986, e ninguém tinha morrido durante um GP desde o acidente
de largada de Riccardo Paletti, na prova de Montreal, em 1982.
Além disso,
os chassis dos F1 da década de 1990 já eram super resistentes, feitos de fibra
de carbono, e eu acho que isso nos deu uma falsa sensação de segurança. Nós
tínhamos a expectativa de pilotos caminharem ilesos de seus carros
arrebentados, mesmo após grandes acidentes, e normalmente eles faziam isso,
como inclusive fazem hoje. Mas, como eu disse, o automobilismo é perigoso, nós
sentíamos isso em nossos corações na época e ainda sentimos, e mesmo um piloto
brilhante como Ayrton seria e sempre será impotente para evitar de se ferir em
um acidente tão terrível como o que ele sofreu naquela curva Tamburello, em
Ímola, em 1994.
Eu olhei
para a equipe da Penske, enfileirada com rostos desmotivados e amargurados, na
garagem de Michigan e disse: “Eu não consigo continuar, pessoal. Não agora. Não
hoje.”
Eles entenderam.
Ayrton tinha testado um Penske-Mercedes da Indycar exatamente um ano antes,
então os caras que estavam comigo conheciam o Ayrton, pois eles acompanharam o
seu teste. Isso me ajudou. Eu me senti sozinho, mas não solitário. Outros à
minha volta compartilharam a minha tristeza, ainda que a perda deles não fosse
tão profunda como a minha, solidários à minha reação à notícia da morte deste
homem que eu amava e admirava.
Eu liguei
para Roger Penske. “Eu preciso ir para casa, Roger”, eu disse.
“Eu entendo,
Emmo”, ele respondeu, e eu voei de volta para Miami naquela tarde. No voo para
casa, me senti paralisado.
A memória
do funeral de Ayrton, que aconteceu alguns dias depois em São Paulo, e que foi
seguido por três dias de luto oficial em todo o País, ficarão comigo para
sempre. Três milhões de brasileiros formaram um corredor nas ruas de São Paulo
por onde o cortejo fúnebre passou – muitos deles chorando abertamente. Me foi
dito que esta ainda é a maior concentração de pessoas em luto durante um cortejo
da era contemporânea.
Me foi
concedida a honra de ser um daqueles que carregariam o caixão de Ayrton – junto
com Jackie Stewart, Alain Prost, Gerhard Berger, Damon Hill e Rubens
Barrichello. Nós o enterramos no cemitério do Morumbi, em São Paulo, e em seu
túmulo está esculpida a frase “Nada pode me separar do amor de Deus”.
Fui incapaz
de retornar para visitar o seu túmulo desde aquele dia.
Eu amei
Ayrton, o admirei, e também tinha orgulho dele: orgulho de que o Brasil pôde
ter um campeão assim. Em 1969, eu cheguei à Inglaterra, e lá obtive sucesso
relativamente rápido, ganhando os campeonatos de F1 em 1972 (pela Lotus) e em
1974 (pela McLaren).
Eu me
aposentei da F1 em 1980, e minha coroa de “campeão brasileiro” foi
imediatamente herdada por Nelson Piquet, que conquistou os campeonatos de 1981
e 1983 pela Brabham e de 1987 pela Williams.
E então,
antes mesmo de a estrela de Nelson começar a perder o brilho, o palco da F1
recebeu o maior de nós todos. Ayrton venceu todos os seus campeonatos pela
McLaren, em 1988, 1990 e 1991, e o seu nome e aura sempre serão sinônimos
àquelas soberbas máquinas vermelhas e brancas.
O resultado
– o legado – é uma cultura de conhecimento e respeito aos pilotos de F1
brasileiros que eu espero que nunca morra. Nós três vencemos oito campeonatos
em apenas vinte temporadas, o que é uma média impressionante, e o meu irmão
Wilson e o nosso amigo José Carlos Pace, que morreu em 1977 e em sua homenagem
foi batizado o circuito de Interlagos, também devem ser honrados por suas
contribuições – como Rubens Barrichello e Felipe Massa, que venceram 11 GPs
cada um, e o caso de Felipe ainda pode somar à conta; e eu torço para que some.
Mas, como
eu disse, o Ayrton era o maior de nós – e, quase 20 anos após ele ter sido
levado da gente, ele ainda é amado com devoção fervorosa no Brasil. E, na
corrida deste domingo (24 de novembro de 2013), enquanto eu caminhava para
Interlagos, enquanto eu acenava para a torcida calorosa, eu não apenas acenei
por mim, mas também por Ayrton, que venceu dois grande prêmios em Interlagos,
em 1991 e em 1993, ambas as vezes pela McLaren: dois dos dias mais felizes de
sua vida.
Eu sinto a
presença de Ayrton todos os dias. Sei que um dia
nos encontraremos novamente.
Rômulo Rodriguez Albarez - São Paulo/SP - Uma bosta!
O Rato o Emerson o Colombo do automobilismo BRazuca 1º em tudo e sempre generoso...sujeito especial e falando grandiosidades de outro BRazucão Top !!
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